quinta-feira, 17 de março de 2016

Meu Tyson


Eu sempre, sempre, fui uma criança medrosa. Sempre. Morria de medo de qualquer tipo de bicho e achei uma superação quando consegui brincar com um Hamster (não ria, é sério!). Durante muitos anos fui para o outro lado da rua quando via um cachorro, subia nas cadeiras quando ia fazer trabalhos nas casas de umas 'amigas' e até dava chilique por ai. Por isso mesmo achei um absurdo quando soube que meu pai ganhou um filhote de poodle. Como raios eu viveria em minha própria casa com um cachorro aqui?
Quase gritei pela casa "Ou ele ou eu" quando soube mas tive medo da resposta. Além disso, bem, seria uma oportunidade de deixar a frescura de lado. Então foi isso, iniciamos um verdadeiro debate com direito a mediador, réplica e tréplica para escolher o nome. Não podia ser nada fofinho, afinal ele já seria um poodle. Queríamos um nome forte e imponente, para contrastar com o pelo bem tosado e fofo. Tyson, esse foi o nome e combinou bem com ele, agora posso ver.
Ele nunca parava quieto. Era do tipo hiperativo, sabe?! Acho que ele nunca soube que era um cachorro de companhia e agia como um cão de guarda, um verdadeiro protetor. Não era muito dado a visitas mas adorava um carinho. Apesar de ser uma criaturinha pequena conseguiu fazer um verdadeiro estrago e em menos de 8 meses conseguiu destruir um jogo de sofá completo. Graças a ele descobrimos que as lojas vendem cada produto sem qualidade...
Zanho que só ele, já deu uma boa mordida em cada membro da casa mas, mesmo tentando, não conseguíamos ficar muito tempo com raiva dele por isso. Ele vinha com aquela cara de "Olha como eu sou lindo, você não pode não me amar, humana!" e eu não resistia. Por várias vezes fui acordada por ele invadindo meu quarto e revirando tudo lá dentro, era uma loucura! Ele nunca saia sem levar uma meia, blusa ou acessório que achou bacana. 
Minha maior alegria em voltar para casa no final de semana estava, em grande parte, nele. Bastava chamar no portão e ele já anunciava a chegada e não parava enquanto eu não fosse falar com ele. Meu riso ficava frouxo ao ver sua alegria ao me ver e minha alegria era evidente também. Pulava e girava no ar e pulava de novo, latia, corria, queria lamber e brincar, tudo de uma vez. Era um ladrão de gargalhadas, e eu simplesmente amava isso. Amo. Continuarei amando.
Com ele aprendi a ser mais educada (passei a cumprimentar os animais, pedir desculpa quando imaginava pisar em alguma pata ou rabo e me sentia mal quando isso acontecia mesmo), aprendi a perdoar sem guardar mágoas, a sorrir cada vez mais, a interpretar gestos, a dizer o quanto o amo e perceber que ele me dizia o mesmo de várias outras formas, bem além das palavras. Aprendi tanto e ainda tinha tanto a aprender, tanto a dizer. Não conseguia mais sair de casa sem me despedir de Tyson e, acredite, ele sabia. Quando eu me aproximava com a mochila ele já baixava a cabeça (triste?) e esperava que eu falasse, eu me despedia, dizia que o amava e para ele se comportar, obedecer e cuidar de todos e ele fazia, quase sempre. Saber que me despedi dele antes de sair me dá um certo consolo por saber que não pude me despedir quando ele se foi.
Eu, quando via algum cachorro mais velhinho, ficava tentando imaginar como ele seria quando chegasse na idade e não conseguia. Ele adorava pular, correr pela casa, latir para os outros, brincar... como poderia desacelerar e ser um idoso comportado e respeitável?
Esse tempo não chegou para ele, talvez ele não se adaptasse a velhice mesmo, vai saber. Por sua impulsividade e desejo por (cada vez mais) liberdade, ele acabou indo mais cedo para o 'paraíso dos cachorros', como prefiro chamar. Prefiro pensar que ele foi para um lugar onde ele pode correr à vontade e ter todos os biscoitos que consiga comer, um lugar onde não precise de tosa nem coleiras.
A estadia dele foi tão curta em nossas vidas mas foi tão essencial para nossa continuação aqui. Ele mudou a todos nós e a nossa dinâmica em casa e viagens. Ele nos melhorou como pessoas de uma forma que nem sei se poderia ser dito. Falando por mim, abri o coração e aprendi o que é amar e a não achar tão brega falar sobre amor. Aprendi a superar meus medos e ser feliz com muito pouco. Eu já não precisava de viagens se ele não pudesse ir, não ligava em passar dias e dias sem sair de casa, ele enchia meus dias.
Sabe, antigamente eu achava meio absurdo quando alguém dizia que estava mal por ter pedido um animal de estimação, achava as reações muito exageradas, mas eu só não os entedia. Não sabia o que era perder um amigo. Hoje eu sei o quanto eles são especiais e o quanto dói a perda. A casa torna-se chata, vazia, silenciosa e limpa. Não quero uma casa organizada e limpa se isso significar ficar sem a alegria dos latidos. Não consigo mensurar a falta que me faz o meu "catchorô", meu monstrinho, meu anjo de quatro patas. Eu fui a vida toda dele e ele uma parte essencial da minha.
Espero que com o tempo a dor cesse e eu possa abrir o coração e a casa para um novo membro da família, não que meu Tyson possa ser substituído, mas acho que ainda temos muito que aprender com os cães e Tyson nos ajudou a dar um enorme passo para isso,
Já sinto muito sua falta meu pequenininho, meu "catchorô", seja um bom menino ai no paraíso dos cachorro.


Eu sou nuvem passageira 
Que com o vento se vai 
Eu sou como um cristal bonito 
Que se quebra quando cai 


Não adianta escrever meu nome numa pedra 
Pois essa pedra em pó vai se transformar 
Você não vê que a vida corre contra o tempo 
Sou um castelo de areia na beira do mar 

A lua cheia convida para um longo beijo 
Mas o relógio te cobra o dia de amanhã 
Estou sozinho, perdido e louco no meu leito 
E a namorada analisada por sobre o divã 

Por isso agora o que eu quero é dançar na chuva 
Não quero nem saber de me fazer ou me matar 
Eu vou deixar em dia a vida e a minha energia 
Sou um castelo de areia na beira do mar. 


Nuvem passageira - Hermes Aquino




P.S.: Acredite ou não, essa música tocou em um modo de listas aleatórias do youtube enquanto eu organizava algumas ideias para escrever esse texto. Acredito que a música sabe quando preciso dela, temos uma relação forte e antiga, mas isso já é assunto para outro texto.

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