domingo, 9 de dezembro de 2018

(Portfólio) Segundo dia na comunidade

5 de maio de 2014
            (...)
Sendo assim, acompanhamos uma visita à dois rapazes, gêmeos, que possuem atrofia muscular espinhal progressiva do tipo 3.
Eles nos esperavam na área de casa e logo que entramos fomos conduzidos até os quartos, locais onde se realizava a fisioterapia. Enquanto alguém realizava alongamentos e exercícios respiratórios em um dos rapazes, eu observei bem mais do que apenas o atendimento: observei o detalhadamente o quarto em que estávamos.
O quarto era de um tom azul claro e tinha uma janela grande próxima a cama. Havia uma cômoda perto da porta, com uma série de soldadinhos organizados como num cenário de batalha; havia porta-retratos e em outra parede havia um espelho na altura ideal para um cadeirante e bem próximo havia uma prateleira com escova de cabelo, pente e outros utensílios pessoais (tudo ali era pessoal). Vi um computador ligado com um plano de fundo do cartaz da nova temporada de Game Of Thrones. Tudo naquele quarto possuía características impostas pelo dono e imprimia uma personalidade.
             Durante (e após) àquele atendimento fiquei pensando em como as pessoas confiam em nós ao ponto de abrir as portas de suas casas, seus quartos para que possamos intervir em suas vidas. Acreditam no trabalho que podemos oferecer e em nossa integridade. O trabalho da fisioterapia na atenção básica é de uma importância desproporcional ao que eu imaginava (é muito maior). Eu sabia que entraríamos nas casas das pessoas, mas não cheguei a imaginar (ou entender) o que isso realmente significava. Agora eu sei. Significa deixar um pouco de si e levar um pouco do outro; significa ensinar e aprender; significa compartilhar e confiar.

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

(Portfólio) Primeiro dia na comunidade


29 de abril de 2014
Primeiro dia na comunidade

No dia 29 de abril, logo após o feriado, iniciamos nossa vivência na comunidade. Nosso destino foi o uma unidade básica na zona norte da cidade e acompanharíamos os doutorandos em suas atividades naquela ali. O primeiro desafia foi chegar lá.
Superadas as dificuldades e chegado à unidade de saúde foi realizada uma pequena reunião, na qual nos foram passadas algumas informações a respeito do funcionamento da unidade e das nossas atividades junto a comunidade para as próximas segundas-feiras.
Nossa turma foi divida aleatoriamente em trios e cada trio era destinado a um doutorando. Neste caso, duas colegas e eu fomos designadas a uma doutoranda e, sob as orientações dela fomos realizar a visita domiciliar na casa da dona Julia.
Dona Julia é uma senhora de 91 anos, possui um amplo histórico de diagnóstico clínico (a exemplo cito HAS, Diabetes, artrose e Alzheimer) e possui histórico de quedas (fraturou o quadril D e joelho D). Ela mora com sua filha Marta, sua cunhada Iolanda e seu Marido Manoel. Dona Iolanda tem 82 anos e é hipertensa, diabética, tem colesterol alto, artrite e labirintite. Já seu Manoel tem Hipertensão Arterial Sistêmica, sequelas de um AVE ocorrido em 2004, além de problemas auditivos.
Logo que chegamos lá, fomos muito bem recebidas por dona Iolanda, a qual nos levou a Dona Julia, que já estava sentada em sua poltrona na sala para realizar os exercícios. Encontrava-se em uma camisola branca fina que se prolongava até seus tornozelos, além do sorriso que chegava aos olhos, usava tranças em seu cabelo mesclado branco e loiro. Dona Julia é uma figura adorável! Sorria de tudo e fazia piadas. Apesar da idade avançada e do Alzheimer, encontra-se lúcida neste dia e conversa bastante. O oposto do Sr. Manoel, que pouco fala e ou interage com as pessoas.
Enquanto a doutoranda atendia dona Julia e uma das minhas colegas realizava exercícios respiratórios com dona Iolanda (a pressão arterial dela estava um pouco elevada), a outra colega e eu fomos realizar algumas atividades com o Sr. Manoel. Como foi difícil professor! Dizíamos: “Sr. Manoel vamos alongar um pouco?” e ele dizia: “Se eu vou me deitar?”. Tínhamos que falar bem alto (praticamente gritando) e ainda assim não era uma garantia que seríamos ouvidas. Isso foi um pouco desconfortável pra mim: chegar na casa de alguém que nunca me viu e gritar, e pior, gritar com o dono da casa! Bom, mas enfim, do meio pro fim conseguimos criar um ritmo e nos fazer compreensíveis para ele de modo que logo nossa atividade com ele acabou e voltamos para a sala, onde ouvimos dona Julia falar sobre como conheceu Sr. Manoel e o início do casamento.
Eles estão juntos há 70 anos, tiveram 12 filhos mas até hoje ela diz: “Tenham cuidado com ele, pra não cair! (...) Meu velho, Nezin.” Achei isso tão doce, tão lindo ainda haver sentimentos que resistam há tantos anos, tantas doenças... Lá estão os dois, sendo cuidados pelos filhos, mas ainda se preocupam um com o outro e ajudam, da melhor forma que podem. Gostei deles!
Nem bem chegamos e a hora voou, logo tivemos que voltar a unidade de saúde. Lá, nos reunimos com o professor e os demais colegas e dividimos nossas experiências domiciliares. Foi bom ver que a maioria tinha gostado do que viu e ri de algumas situações engraçadas também. No fim das contas o dia tinha sido muito bom. O crescimento pessoal havia superado minhas expectativas e ainda restavam três semanas por ali.

(Portfólio) Feriado - Carnaval


3 de Março de 2014
Feriado - Carnaval
         
          Neste dia ainda estávamos em pleno carnaval, então obviamente, não houve aula.
          Agora que o carnaval passou é interessante pensar na significância que esta data tem no calendário nacional. Sem choro nem vela, a vida começa após o carnaval, Ainda que façamos promessas de um ano melhor no ano novo, nos damos o prazo de tolerância até depois do carnaval. E, nos locais em que o ano começa logo após o ano novo, a impressão que tenho é de que as coisas meio que se arrastam, como se estivessem acontecendo por pura obrigação.
          Será que nós, brasileiros, precisamos mesmo de uma quarta de cinzas para renascer? Para recomeçar a vida ou continuar de onde ela parou?

(Portfólio) Família



Três meninos e duas meninas,
sendo uma ainda de colo.
A cozinheira preta, a copeira mulata,
o papagaio, o gato, o cachorro,
as galinhas gordas no palmo de horta
e a mulher que trata de tudo.

A espreguiçadeira, a cama, a gangorra,
o cigarro, o trabalho, a reza,
a goiabada na sobremesa de domingo,
o palito nos dentes contentes,
o gramofone rouco toda a noite
e a mulher que trata de tudo.

O agiota, o leiteiro, o turco,
o médico uma vez por mês,
o bilhete todas as semanas
branco! mas a esperança sempre verde.
A mulher que trata de tudo
e a felicidade.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Alguma Poesia'

(Portfólio) Apresentação da disciplina e considerações gerais a respeito do sus


10 de fevereiro de 2014 
Apresentação da disciplina e considerações gerais a respeito do sus 
            
            (...)
          Ao escrever esta parte do portfólio não consigo esquecer que, na mesma semana que tivemos essa aula, o irmão de uma amiga morreu e, isso ainda mexe um pouco comigo. Um misto de dor (por me colocar no lugar dela e perder um irmão tão precocemente), raiva (por ver o quão pouco vale a vida e como a violência é aleatória) e pena (por ver o quanto as pessoas estão perdidas) É uma junção de sentimentos e sensações tão grande, que me faltam palavras para descrever (acho que sentimentos genuínos são indescritíveis). Passei uns dias ouvindo uma música chamada Ainda há tempo, de Criolo, na qual ele diz que não existem pessoas más, elas só estão perdidas. Concordo. Eis um trecho que fico repetindo em minha mente:
“Deus sabe sempre o que tá fazendo
Mesmo sabendo disso eu sofro, vai vendo
Quem tem noção das coisas,
sente o peso da maldade
A cobrança é maior (...)”
          Viajei né? Ou talvez não.  Violência, sentidos... tudo isso influencia no nosso bem-estar e, consequentemente, na saúde, certo?

Nova tag! + Portfólio

Ontem fui procurar um material para um trabalho da residência e encontrei uns portfólios que produzi em uma disciplina da faculdade. Um em 2014, quando pagávamos a disciplina de fisioterapia na atenção básica, a qual uma parte era na sala de aula, com muita teoria e a outra era, de fato, na comunidade. O segundo portfólio foi em 2015 e já era o estágio na atenção básica, no último período da faculdade. 
Lendo relembrei de tanta coisa, fez bem refletir o quanto eu gostei de me inserir na atenção básica e ver que isso perdurou e tem se concretizado cada vez mais nos meus caminhos profissionais. A gratidão por continuar ajudando permanece e cresce a cada dia e eu não poderia me sentir melhor non exercício de uma profissão. Para quem não está familiarizado com portfólio, vou colocar aqui algumas definições, que usei nos trabalhos mesmo:

Sm. 1. Pasta de cartão usada para guardar documentos em geral; 2.  Pasta contendo material de um ilustrador, etc.
 Minidicionário Soares Amora, 2009.
 SM. 1. Cartão duplo desdobrável usado para guardar papeis; pasta, porta-fólio. 2. Conjunto ou coleção do que está ou pode ser guardado num portfólio. 3. Conjunto de trabalhos de um artista ou agência usado para divulgação.
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2009

Assim, adaptando a palavra Portfólio para a realidade acadêmica, é um conjunto de documentos a respeito de um tema comum, além de contar com nossa visão reflexiva. No meu caso, especificamente, tratava-se de um conjunto de textos a respeito da minha vivência na comunidade, como fisioterapeuta em formação.


Eu me dedicava muito a produção dos textos, acho que coloquei mais reflexões e devaneios do que elementos acadêmicos. Fiquei orgulhosa com a forma que eu escrevia e refleti sobre como escrevo hoje, acho que a dificuldade de tempo para me dedicar a ler e escrever já refletem no meu processo criativo, mas enfim, vou compartilhar aqui algumas coisas. Não vale rir de uma menina que achava que seria a próxima Martha Medeiro, tá? Obrigada, de nada.




01 de fevereiro de 2014
Auto apresentação

Antes de iniciar de fato o assunto “fisioterapia em atenção básica”, julgo importante que saiba um pouco sobre mim. Não a acadêmica do nome completo da capa, só Yara, para que entenda um pouco dos meus possíveis devaneios no decorrer deste trabalho.
O meu nome não preciso dizer, já foi dito. Sou de Macau e moro aqui há três anos. Vim para estudar mesmo e é tudo que tenho feito desde então. É impossível dizer que não sinto saudade de casa e vontade de voltar a morar lá um dia. Lá eu tenho meus pais, irmãos e meu mascote, Tyson, o poodle mais carinhoso desse mundo. Sinto saudade da minha casa e da minha janela que dá vista para o rio Piranhas-Assú (Esta parecendo um roteiro de Nicholas Sparks, mas é tudo verdade, eu juro). Sinto saudades de muita coisa da minha terra natal, mas, o que me mantem aqui é o fato de que depois disso tudo eu poderei ajudar muita gente com os conhecimentos que venho absorvendo através da faculdade e de todos os meus esforços. Depois dos atendimentos realizados no semestre passado vi que tudo isso vale a pena.
Podem me chamar de nerd (aliás, já chamam), mas eu gosto de estudar e cada vez que compreendo algo novo, me encanto mais pelo saber. Acho que tenho um vício: quando algo me interessa, tudo que eu puder pesquisar é pouco para suprir minha curiosidade a respeito daquilo. Conhecimento me fascina, o que me leva a falar de outra das minhas paixões: Leitura. Eu aprecio a leitura e está é uma relação antiga. Através da leitura consegui, ao longo dos anos, aprimorar meu vocabulário, interpretação, expressão, imaginação e escrita.
Então, eu gosto de estudar, ler e escrever e não demorou muito para eu me arriscar numa amostra de docência, de modo que em 2013 participei de um processo seletivo para uma monitoria e passei. De fato não tinha muita esperança de passar, mas aconteceu. E foi uma das minhas melhores experiências acadêmicas. Eu cresci em diversos aspectos. Aprendi muito mais do que quando estudei as disciplinas, fiz amigos e ainda ajudei muita gente. Ensinar por um ano foi uma experiência fantástica e eu não quero parar por ai. Quem sabe no futuro possamos ser colegas no ensino, não é mesmo professor? Já disse Cora Coralina: “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.”, eis um dos meus planos para o futuro.
Acho que agora podemos começar de verdade. Se eu falar muita besteira entre os textos é por causa da minha mania aguçada de imaginar pelo hábito de escrever.